
Alheio a busca do verdadeiro “eu” que se desvela na experiencia do abandonar-se, Narciso jamais encontrará a paz, pois jamais sentirá o acalento duradouro de um abraço ao contemplar-se em seu próprio reflexo. O “eu” transitório de um homem não pode abarcar a sua alma assim como um vaso pequeno não pode abarcar dentro de si um maior que ele. o
O verdadeiro transcender e, portanto, o encontro com a satisfação que acalenta o coração está em buscar um “fim em si” apenas nos atos cujas consequências e impressões abrangem mais que a nossa satisfação individual e o tempo de nossa vida terrena: a entrega ao amor, a caridade, ao perdão, a busca do aprimoramento pessoal, a coragem, o sacrifício de algum modo.
Assim o mito de Narciso é uma outra expressão de algo muito mais fundamental que a vaidade aparente e seu erro não é o de apaixonar-se a beleza através do reflexo apenas, é o de enxergando-a ser incapaz de negar-se á própria tentação primordial, não distinta da ambição de Adão e Eva (e no intimo de todos os homens), de crer que somos inteiramente donos de si e que bastamos a nós mesmos. Narciso portanto, nega sua própria eternidade, pois a alma que é imperecível jamais poderia ser serva de um ser temporal, esta pertence sempre a Alguém maior que o tempo, e cego para isto — pois mesmo numa europa Pre-Cristã era algo sinalizado através da servidão aos valores cardinais que são tão maiores que os homens individuais — Narciso entrega-se em apego ao puramente efêmero, portanto, engloba a si mesmo nesta efemeridade e definha numa condenação eterna de tolo angustiado.